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domingo, 11 de novembro de 2012

Conto: RECANTO




Hoje, enquanto organizava livros antigos em uma estante que se encontra em meu escritório, já com uma crescente irritação em meus olhos, causada pela luz fluorescente do cômodo, resolvi arejar o ambiente, abrindo a janela.
Voltei-me para a arrumação, e um raio de luz, deparou-se com um fecho metálico de um de meus livros, e encheram meus olhos d’água com o reflexo que viera em meu rosto, fazendo com que eu, em um átimo, derrubasse alguns exemplares no chão límpido.
No momento em que me abaixei para pegar os livros que desastrosamente derrubei, algo em especial roubou minha atenção e por instinto, imagino, invadiu meus pensamentos. Era uma rosa que envelhecera em meio as palavras.
Imperceptivelmente, voltei em um domingo longínquo, há vinte anos, era uma tarde nublada, na fazenda em que cresci. Pouco barulho e muita tranquilidade. Ao som dos pássaros, o frescor da tarde, e inalando os perfumes da natureza, lia um romance embaixo de uma mangueira rodeada por um magnífico jardim, tudo estava convidativo.
Passando algumas horas de paz, e com a imaginação bem trabalhada, assustei-me com uma voz que chamava meu nome. Após o sobressalto, reconheci aquela voz de imediato, pois ao longo de meus dezesseis anos, a ouvira chamar por mim todos os dias.
Meu pai estava ao meu lado, nem sei como, tudo foi muito rápido, mas ele estava ali, junto de mim. Recordo-me que ele pedia para eu entrar, pois já começava a escurecer. Era hora de me “proteger” da friagem. _Como dizia.
Sentia-me tão bem ali que resolvi argumentar, uma tentativa de aproveitar mais algum tempo do meu recanto. Muitas palavras fluindo de minha boca, tentavam convencer meu pai, mas para todos os meus argumentos, se formavam respostas suaves e inquestionáveis de sua parte.
Durante alguns minutos, tentei convencê-lo a deixar-me ali um pouco mais, disse que não me faria mal a brisa da noite, assim como não fazia mal às flores nos cercavam. Se as flores amanheciam belas e perfumadas, por que eu não amanheceria da mesma forma?
Com um olhar terno, meu pai foi até as flores, apanhou uma delas, e a trouxe até mim. Primeiro me explicou a ordem das coisas, seus deveres na natureza, as formas impostas a elas, e suas necessidades. Tive uma aula de biologia no meu jardim.
Depois ele me entregou a rosa e pediu que a guardasse entre as páginas já lidas do meu livro, e disse com um sorriso nos lábios, que resplandecera seu rosto e que me permitia ler sua alma, que não era necessário que eu compreendesse o sentido ou a ordem natural das coisas ou da natureza, bastava naquele momento que eu aceitasse a proteção, preocupação e o carinho que ele tinha para comigo, e que mesmo que parecesse ridículo o excesso de cuidado que ele emanava, era para eu não retrucar, mas apenas acatar o pedido zeloso de um pai amoroso.
Saltei-lhe ao pescoço e o enchi de beijos, e com as lágrimas jorrando de meus olhos, fiz como ele pediu e me dirigi para o caminho de casa de mãos dadas com meu “super herói”.
Entre um milésimo e outro, um toque familiar me trouxe de volta ao presente, o sino da minha varanda soava como uma melodia angelical aos meus ouvidos. Despertei-me por completo de minhas lembranças e me dirigi até a porta.
Ao abri-la, quase não acreditei no que vi. Aqueles olhos ternos e a expressão que emanava deles, me paralisou. Meu pai, acho que surpreendeu-se com minha reação, mas como sempre, aguardou até meu despertar; o que não demorou muito.
Voltei a mim e o convidei a entrar. Começamos, então, a relembrar momentos como aquele. Passamos horas trocando lembranças, e assim, fui até o livro, peguei a rosa seca e a entreguei a ele. Depois disse que não precisava entender os meus motivos para dar-lhe de volta a flor. Bastava que ele entendesse e aceitasse os cuidados de uma filha amorosa e zelosa.                                                                                                                                                                                                  SIMONE ROCHA

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