Hoje, enquanto organizava livros antigos em uma
estante que se encontra em meu escritório, já com uma crescente irritação em
meus olhos, causada pela luz fluorescente do cômodo, resolvi arejar o ambiente,
abrindo a janela.
Voltei-me para a arrumação, e um raio de luz,
deparou-se com um fecho metálico de um de meus livros, e encheram meus olhos
d’água com o reflexo que viera em meu rosto, fazendo com que eu, em um átimo,
derrubasse alguns exemplares no chão límpido.
No momento em que me abaixei para pegar os livros
que desastrosamente derrubei, algo em especial roubou minha atenção e por
instinto, imagino, invadiu meus pensamentos. Era uma rosa que envelhecera em
meio as palavras.
Imperceptivelmente, voltei em um domingo longínquo,
há vinte anos, era uma tarde nublada, na fazenda em que cresci. Pouco barulho e
muita tranquilidade. Ao som dos pássaros, o frescor da tarde, e inalando os
perfumes da natureza, lia um romance embaixo de uma mangueira rodeada por um
magnífico jardim, tudo estava convidativo.
Passando algumas horas de paz, e com a imaginação
bem trabalhada, assustei-me com uma voz que chamava meu nome. Após o
sobressalto, reconheci aquela voz de imediato, pois ao longo de meus dezesseis
anos, a ouvira chamar por mim todos os dias.
Meu pai estava ao meu lado, nem sei como, tudo foi
muito rápido, mas ele estava ali, junto de mim. Recordo-me que ele pedia para
eu entrar, pois já começava a escurecer. Era hora de me “proteger” da friagem.
_Como dizia.
Sentia-me tão bem ali que resolvi argumentar, uma
tentativa de aproveitar mais algum tempo do meu recanto. Muitas palavras
fluindo de minha boca, tentavam convencer meu pai, mas para todos os meus
argumentos, se formavam respostas suaves e inquestionáveis de sua parte.
Durante alguns minutos, tentei convencê-lo a
deixar-me ali um pouco mais, disse que não me faria mal a brisa da noite, assim
como não fazia mal às flores nos cercavam. Se as flores amanheciam belas e
perfumadas, por que eu não amanheceria da mesma forma?
Com um olhar terno, meu pai foi até as flores,
apanhou uma delas, e a trouxe até mim. Primeiro me explicou a ordem das coisas,
seus deveres na natureza, as formas impostas a elas, e suas necessidades. Tive
uma aula de biologia no meu jardim.
Depois ele me entregou a rosa e pediu que a
guardasse entre as páginas já lidas do meu livro, e disse com um sorriso nos
lábios, que resplandecera seu rosto e que me permitia ler sua alma, que não era
necessário que eu compreendesse o sentido ou a ordem natural das coisas ou da
natureza, bastava naquele momento que eu aceitasse a proteção, preocupação e o
carinho que ele tinha para comigo, e que mesmo que parecesse ridículo o excesso
de cuidado que ele emanava, era para eu não retrucar, mas apenas acatar o
pedido zeloso de um pai amoroso.
Saltei-lhe ao pescoço e o enchi de beijos, e com as
lágrimas jorrando de meus olhos, fiz como ele pediu e me dirigi para o caminho
de casa de mãos dadas com meu “super herói”.
Entre um milésimo e outro, um toque familiar me
trouxe de volta ao presente, o sino da minha varanda soava como uma melodia
angelical aos meus ouvidos. Despertei-me por completo de minhas lembranças e me
dirigi até a porta.
Ao abri-la, quase não acreditei no que vi. Aqueles
olhos ternos e a expressão que emanava deles, me paralisou. Meu pai, acho que
surpreendeu-se com minha reação, mas como sempre, aguardou até meu despertar; o
que não demorou muito.
Voltei a mim e o convidei a entrar. Começamos,
então, a relembrar momentos como aquele. Passamos horas trocando lembranças, e
assim, fui até o livro, peguei a rosa seca e a entreguei a ele. Depois disse
que não precisava entender os meus motivos para dar-lhe de volta a flor.
Bastava que ele entendesse e aceitasse os cuidados de uma filha amorosa e
zelosa. SIMONE ROCHA
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